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Um coração tranquilo – Elisabeth Elliot

Jesus dormia num travesseiro em meio a uma tempestade feroz (Marcos 4:38). Como isso era possível? Os discípulos, então, aterrorizados e certos de que a próxima onda os lançaria ao fundo do mar, o chacoalharam e o acordaram, repreendendo-o. Como ele era capaz de se mostrar tão insensível ao destino deles?

Ele podia agir assim porque dormia na tranquila segurança de que seu Pai estava no controle. Seu coração era tranquilo. Nós o vemos agir com serenidade em todos os eventos de sua vida — quando foi ultrajado, não revidou. Mesmo sabendo que sofreria muitas coisas e seria morto em Jerusalém, nunca se desviou de seu curso. Estava determinado. Sentou-se à Ceia na companhia de um discípulo que o negaria e de outro que o trairia. Ainda assim, foi capaz de comer com eles, dispondo-se até mesmo a lavar os pés deles. Jesus, na intimidade ininterrupta do amor de seu Pai, manteve um coração tranquilo.

Nenhum de nós tem um coração tão perfeitamente calmo, pois nenhum de nós vivencia essa unidade divina, mas nós podemos aprender um pouco mais, a cada dia, do que Jesus conhecia — o que um escritor chamou de a “negligência” daquela confiança que leva Deus com ela. Quem pensaria em usar a palavra negligência em relação ao nosso Senhor Jesus? Ser negligente é omitir-se de fazer o que um homem sensato faria. Acaso Jesus agiria assim? Sim, quando a fé perpassa e vai além da razão.

Essa confiança “negligente” — acaso ela é descuidada, desatenta ou indolente? Não, não no caso de Jesus. Jesus podia despreocupar-se porque sua vontade era uma com a do Pai. Ele tinha a bendita certeza de saber que seu Pai se encarregaria de cuidar e estaria atento à necessidade de seu Filho. Jesus foi indolente? Não, ele nunca foi ocioso, preguiçoso ou moroso; apenas sabia o momento de agir e o momento de deixar as coisas aos cuidados de seu Pai. Ele nos ensinou a trabalhar e vigiar, mas nunca a ficar preocupadas, para que façamos o que nos foi dado a fazer, deixando tudo mais com Deus.

Pureza de coração, disse Kierkegaard, é querer uma única coisa. O Filho queria apenas uma coisa: a vontade de seu Pai. Foi isso que ele veio fazer na terra. Nada mais. Aquele cujo alvo é tão puro quanto isso pode ter um coração completamente tranquilo, sabendo o que o salmista sabia: “O Senhor é a porção da minha herança e o meu cálice; tu és o arrimo da minha sorte” (Sl 16.5). Não conheço maior simplificador que esse para toda a vida. O que acontece está designado. A mente hesita diante disso? Podemos dizer que há coisas que acontecem conosco que não fazem parte de nossa “porção” amorosa e designada (“Isto faz parte, aquilo não faz parte”)? Existem algumas coisas fora do controle do Todo-Poderoso?

Tudo o que Deus designou é medido e controlado para o meu bem eterno. Quando aceito a porção, outras opções são canceladas. As decisões tornam-se muito mais fáceis; as direções, mais claras; e, por consequência, meu coração se aquieta de uma forma indizível.

O que queremos realmente na vida? Às vezes, tenho a oportunidade de fazer essa pergunta a alunos do ensino médio ou da faculdade. Fico surpresa com o pequeno número que tem uma resposta imediata. Oh! Eles poderiam apresentar uma lista enorme de coisas! Mas há uma única coisa, acima de todas as outras, que eles desejam? “Uma coisa peço ao Senhor”, disse Davi, “e a buscarei: que eu possa morar na Casa do Senhor todos os dias da minha vida” (Sl 27.4). Ao jovem e rico que queria a vida eterna, Jesus disse: “Só uma coisa te falta: Vai, vende tudo o que tens” (Mc 10.21). Na parábola do Semeador, Jesus nos diz que a semente que é sufocada por espinhos caiu num coração cheio das preocupações desta vida, da fascinação das riquezas e do desejo por outras coisas. O apóstolo Paulo disse: “Uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.13-14).

Um coração tranquilo se contenta com o que Deus dá. É suficiente. Tudo é graça. Numa manhã, meu computador simplesmente não me obedecia. Que aborrecimento! Eu tinha definido todo o meu trabalho, calculado meu tempo, preparado minha mente. Meu trabalho ficou atrasado, meu tempo, prejudicado, meu pensamento, interrompido. Então, eu me lembrei. Isso não havia acontecido em vão. Fazia parte do Plano (não o meu, mas o de Deus). “Senhor, tu designaste minha porção e o meu cálice.”

Ora, se a interrupção tivesse vindo de um ser humano, e não de uma máquina irritante, não teria sido tão difícil entender o ocorrido como a parte mais importante do trabalho do dia. Mas tudo está sob o controle de meu Pai; sim, computadores obstinados, transmissões defeituosas, pontes levadiças que se mantêm erguidas quando alguém está com pressa. Minha porção. Meu cálice. Meu quinhão é seguro. Meu coração pode ficar em paz. Meu Pai está no controle. Como é simples!

Meu compromisso envolve aceitar espontaneamente minha porção — em assuntos que vão muito além das trivialidades que acabei de mencionar, como, por exemplo, a morte de um bebê precioso. Uma mãe me escreveu para falar sobre a perda de seu filho quando ele tinha apenas um mês de vida. Uma viúva escreveu sobre a longa agonia de ver seu marido morrer. O número de anos de seu casamento parecia muito pequeno. Podemos apenas saber que o Amor eterno é muito mais sábio que nós, e nos prostramos em adoração a essa sabedoria amorosa.

Reação é o que realmente importa. Lembre-se de que nossos antepassados foram todos guiados pela coluna de nuvem, todos passaram pelo mar, todos comeram da mesma comida espiritual e beberam da mesma bebida espiritual, mas Deus não se agradou da maioria deles. A reação dessas pessoas foi totalmente equivocada. Insatisfeitos com a porção que lhes fora dada, eles caíram em idolatria, glutonaria e pecado sexual. E Deus os matou por meio de serpentes e de um anjo destruidor.

O mesmo Deus Todo-Poderoso aquinhoou a experiência deles. Todos os eventos serviam à vontade de Deus.

Alguns responderam com fé; a maioria, não. “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10.13).

Pense nessa promessa e aquiete seu coração! Nosso inimigo se apraz em nos inquietar. Nosso Salvador e Ajudador se apraz em nos aquietar. “Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei; e em Jerusalém vós sereis consolados” (Is 66.13). A escolha é nossa. Depende de nossa disposição de ver tudo em Deus, receber tudo de sua mão, aceitar com gratidão a porção e o cálice que ele oferece. Acaso deveria acusá-lo de erro em suas medidas ou de julgar mal a esfera em que posso aprender melhor a confiar nele? Acaso Deus é ignorante das coisas e pessoas que, em minha opinião, impedem que eu faça a vontade dele?

Deus encarnou e viveu neste mundo como um homem. Ele nos mostrou de que forma viver neste mundo, sujeito às suas variações e necessidades, para que sejamos transformadas — não em um anjo, não em uma princesa do enredo de um livro, não sendo levadas para outro mundo, mas transformadas em pessoas santas neste mundo. O segredo é Cristo em mim, e não eu vivendo em um conjunto diferente de circunstâncias.

“Aquele cujo coração é imensuravelmente bondoso

Dá para cada dia o que ele considera ser o melhor,

Amorosamente, o seu quinhão de dor e de prazer

Mesclando a labuta com paz e descanso.” ― Lina Sandell


[1] Elliot, Elisabeth. Aquietai-vos: 100 devocionais para o coração sobrecarregado (Portuguese Edition). Publicado por Editora Fiel, 2023. Edição do Kindle.
Selecionado por: voltandoacristo.com.br

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